top of page

Oração ao Pai

Olhe por estes pés, Pai, que andam por este chão pedregoso da realidade e da vida, ora a serviço de Ti, mas mais a serviço dos outros que me dão o pão que o Diabo amassou mas este pão que só veio por obra e graça Tua matar a minha fome. Olhe por estas pernas e joelhos, Pai, que sustentam meu corpo o dia todo a caminhar ou apenas a ficar ali, em pé, dentro de minhas calças surradas, ora orando com os membros no chão, mas mais a serviço dos outros que podem glorificar Tua obra de roupas novas, quiçá terno e gravata, em Templos grandiosos; estas pernas, Pai, muitas vezes ficam sentadas em poltronas desconfortáveis, cadeiras que mal cabem meu corpo, não se ajustam a mim, como eu não me ajusto em Tua casa repleta de pessoas que podem descansar suas pernas a beira de piscinas dos hotéis luxuosos de vidas que só Tu sabes porque eles têm tamanha e imensa glória mundana. Olhe por estas costas, Pai, que carregam o peso do mundo, que já segurou irmão vagabundo, que nem oração escrita por autoridades foi capaz de curar tal vida vadia; essa coluna que dói, mas é graças a Ti, meu Senhor, pois é uma dor oriunda também do trabalho do dia inteiro na labuta, coluna que sustenta a mochila que carrega minha marmita, esta coluna que tenta ficar ereta em meio a outras tantas colunas do coletivo. Olhe por esta barriga, e sempre se lembre de alimenta-la, Pai, pois nutro a mim e a meus vermes, (meus companheiros imundos oriundos da minha condição sanitária) dando graças e louvores a todo momento ao Santíssimo e Digníssimo alimento, o arroz, feijão, carne e pão de cada dia os quais não desperdiço nem o farelo, nem o caldo, nem os bagos; quanto mais se tem, mais se desperdiça, mais menospreza, parece que até de mais precisa; a mim, lembre-se, basta uma sopa, um pão com mortadela de agrado, e de bom grado: sou fácil de agradar, Pai! Olhe por este seio, Pai, que amamentou tantos, aumentou seus fiéis tão crentes no futuro que se não for na Terra, que ao menos seja no céu, este seio que carrega a aflição de ter muitas bocas, pouca louça suja, refeição fragmentada, racionada; este seio que carrega o tiro do inimigo; este seio que carrega a angústia do inimigo ser próximo, o próximo a arrancar de mim o pouco que tenho e posso chamar de meu. Olhe por esses braços, Pai, que se erguem pra louvar a Ti, mas se erguem mais pra estender roupa dos outros no varal deles, pra carregar o balde na cabeça quando falta água, pra carregar as crianças, as minhas e as deles no colo, que segura pra dar mamadeira pros filhos deles, os meus não podem ter mas o Senhor é meu Pastor, nunca me falta, ainda tenho braços pra carregar o andor. Olhe por estas mãos, Pai, que pegou em dinheiro muito dinheiro o dia inteiro dinheiro alheio de donos alheios a minha condição; estas mãos que tocam tanta coisa não-sua que nem desejam furtar nada daqueles que me furtaram o futuro; estas mãos que entregam o pouco que tenho aos que tem dinheiro pra comprar cordão d’ouro, andar de carrão enquanto fim do mês nem me sobra um tostão, mas perante Ti ao menos somos todos iguais, isso sim importa mais, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, amanhã é outro dia e a gente vê o que faz. Olhe por esta boca, Pai, que glorifica o Senhor com um português falho e empobrecido como minha formação escolar e meu destino de berço ao túmulo. Olhe por este nariz, Pai, que aspira poeira e mofo o dia inteiro, noite toda, e que deseja os cheiros agradáveis dos restaurantes, dos bares, dos lares abastados, não é mal agradecimento porque todo o pouco que tenho vem de Vós, mas é que o corpo que me deste ainda é falho e gostaria de aproveitar certas delícias, certos prazeres não gratuitos e não pagáveis com aquilo que tenho pela glória do Senhor. Olhe por estes olhos, Pai, que vêem tanta coisa bonita sem poder apreciar de perto que também vêem muita coisa errada sem conseguir distinguir ou saber porque são, que às vezes nem enxergam bem por falta de óculos e discernimento. Olhe por esta testa, Pai, que arde ao sol pra capinar a grama e limpar o chão de quem tem ventilador, ar-condicionado pra trabalhar, pra dormir, pra viver e que pode reclamar da grama mal aparada, da imundície do chão que lavo incansavelmente com água pano e sabão; esta testa que carrega o suor do trabalho do esforço e da luta diária, e que raramente consegue se proteger com fatores 30, 60, são tantos os fatores pra desproteção, o principal você já sabe Pai, que é o meu bolso, este que carrega tantas orações mas que quando o assunto é dinheiro parece que está furado, ai ai. Olhe por mim, Pai, que ando tão cansada de tudo embora ande tão grata a tudo, obrigada Senhor! E perdoai os pecados de meu corpo que não aguenta mais o peso desta missão que me deste.

- 10 Agosto 2018 -

Posts Relacionados

Ver tudo
Um pouco de nós...

Escrever, expor sentimentos e ideias que acumulam em nossa mente torna-se então uma forma de resistir e aliviar as tensões. A partir disso criamos o Insônia Produtiva e compartilhamos ela com você, porque uma noite escura pode ser iluminada por uma constelação de ideias.

Bem-vindo a Insônia Produtiva!

SIGA:
  • Facebook Vintage Stamp
POSTS RECENTES:
PROCURE POR TAGS:
Nenhum tag.
bottom of page