Representante sul-africana vence o Miss Universo 2017 | Foto: Xinhua/Mjt/AdMedia/ZUMAPRESS
Mal aprendi andar e já comecei a correr. Essa era minha brincadeira favorita. Sentia-me livre, sentia o vento no meu rosto e a alegria tinha cor de Sol.
Mas minha mãe não gostava muito dessa brincadeira e insistia em dizer:
_ Clara, não corre! Você vai se machucar! E você já viu alguma Miss com cicatriz no corpo?
E eu pensava comigo: quem é essa tal de “Miss”?
Crescendo descobri que Miss era algo que jamais viria a ser…
Ao assistir o primeiro concurso de beleza da minha vida foi que percebi que: meu corpo não é tão alto, tão magro, não sou tão bonita para os padrões deles, meu cabelo não é liso e comprido o suficiente.
E não era só no concurso, mas também na escola, no shopping, em sociedade…
_Uma pessoa não pode ser bonita e inteligente ao mesmo tempo… e você é muito inteligente. - dizia a coleguinha de aula.
_ Quatro olhos: dois de vidro, dois de boi. - gritava outro mais agressivo.
O tempo foi passando e continuei a acompanhar esses concursos de beleza. Os meus preferidos são Miss Brasil e Miss Universo. E acho até que no fundo as invejo...
Fiquei impressionada quando descobri que existia até reality show de concurso de beleza. Agora também assisto quando posso o programa estadunidense “Pequenas misses” e uma frase me marcou profundamente.
Uma garotinha negra, de lindos cabelos cacheados, diferente de todas as miniaturas de Barbie, que participava de concursos de beleza infantis teve ouvir de sua treinadora algo mais ou menos assim:
_ Seu cabelo é lindo porque é diferente, mas os jurados não gostam muito de meninas com cabelos cacheados.
E, em 2017, em pleno século XXI marcado por uma série de mudanças no pensamento, inclusive nos padrões de beleza, uma propaganda do Miss Universo de um canal de TV à cabo usa a palavra “diversidade”. Palavra também usada durante o próprio programa para falar das diversas belezas das participantes.
De verdade, a única diversidade que pude perceber foi a de países representados. Poucas eram as participantes negras, com cabelos curtos, Black, cacheados ou de cabeça raspada, poucas com corpos mais cheios de curvas ou tatuados.
Onde estaria a diversidade?
Mesmo as participantes asiáticas tinham suas características típicas apagadas. Os olhos puxados, uma beleza única, agora estão cada vez mais arregalados. Todas mais próximas de um padrão ocidental, de um único padrão de beleza - vergonhoso - ainda vigente, que reafirma a ditadura da beleza feminina.
As candidatas estão cada vez mais parecidas entre si. Sorrindo e acenando para as câmeras.
Onde está a diversidade? Talvez no nome e endereço das candidatas, das misses consideradas as mais belas de seu país, concorrendo para ser a mais bela do universo/mundo.
Uma das comentaristas do evento diz que as entrevistas é o momento que conhecemos o outro lado das candidatas.
Assim o foi: mulheres lindas com vidas normais, que lutam pela igualdade de gênero, pelo respeito à diversidade. Uma é professora infantil e cientista, a outra é engenheira, uma militar e por aí vai… suas histórias não podem ser negligenciadas e até me fazem ter empatia com elas.
Esse ano, teve uma das 3 finalistas a representante da Jamaica: linda, sorriso estonteante, fala firme, negra de cabelo Black Power. Infelizmente, ficou em terceiro. Afinal, quem vence é sempre a mais bela, magra, cabelo longo, de preferência branca e loira.
Só que hoje não as invejo mais… (talvez a única coisa que tenha me feito sentir isso foi o show da Celine Dion que as misses puderam assistir).
Continuo 4 olhos, visto 42, tenho cicatrizes de uma infância feliz e juventude estabanada.
E, realmente, não sirvo para ser uma Miss. Minha felicidade não cabe em uma fita métrica.