Sabe 50 tons de cinza? Não, não é o filme! É só uma expressão que pode identificar a cor dos olhos de quem vê a vida pelas lentes da depressão... Então!
Como é, como vejo | Foto: Deborah Vieira
Mesmo com o sol de verão ao meio-dia, aquele bem no meio do céu, é como se o tempo estivesse nublado. Mesmo aquele ipê amarelo ou rosa brilhante, fica meio marrom ou roxo, o brilho é ofuscado pela sensação fria de existência. Mesmo com o sorriso no rosto, meio amarelado e de canto, o peito está nublado, congestionado de angústia. Mesmo o céu azul, sem nuvem alguma, parece nublado. Mesmo a música preferida perde o sabor. Não há playlist que agrade! Mesmo a comida colorida, variada e gostosa, perde a melodia do "Humm!"
Tudo está ofuscado, opaco, diluído em mágoas, ressentimentos, dores inexplicáveis.
"Por que você está triste? Chorando? Em estado de desespero?" Uma pessoa sem a doença talvez saiba os motivos: "terminei o namoro, meu cachorro faleceu, não entrei na faculdade que queria, etc". Uma pessoa com depressão, no entanto, nem sempre sabe responder de onde vem tantas ondas de angústia e crises de choro. Simplesmente tudo vem sabe-se lá de onde: mesmo que a pessoa seja maravilhosa (embora ela não reconheça maravilhas em si), mesmo que a pessoa seja inteligente (e ela não acha isso nem um pouco), mesmo que ela tenha uma vida considerada incrível (e ela se sente pior ainda por não conseguir ser feliz com tudo que tem, o que lhe falta?)...
Não é falta de esforço para levantar da cama. Cansaço crônico não é culpa, é sintoma! Isolamento não é falta de atenção/consideração com as pessoas, é sinal de que algo não está certo!
Não é falta do que fazer, nem "cabeça vazia oficina do diabo". Porque provavelmente a pessoa com depressão continua trabalhando, cuidando dos filhos e da casa, estudando loucamente, cuidando (sabe-se lá como) de seus relacionamentos familiares, de amizade e amorosos. É só que nada disso tem o mesmo impacto positivo na vida, há uma sensação exagerada de vazio, e a cabeça nunca está vazia pois se ocupa demais com conflitos e aflições.
Não é falta de Deus. E essa afirmação machuca demais pela incrível falta de sensibilidade. Depressão é doença! Ninguém vira para uma pessoa gripada e diz que é falta de rezar. Ninguém vira para uma pessoa com hipertensão e diz que a culpa é dela por não procurar Deus. Ninguém fala para uma pessoa tendo AVC para procurar uma igreja. Todas as doenças, quando estão em fases mais sérias, precisam de tratamento e assistência médica, urgente!
E pensar e falar de suicídio não é drama nem vontade de chamar atenção. É desespero, é implorar por ajuda, por suporte, por alguém que escute e faça algo para ajudar, pois chega um ponto da doença que a dor passa a ser insuportável e morrer parece a única alternativa (e já está claro que não é!).
Ajuda pode ser tirar a pessoa da cama e levar ao psiquiatra, segurar a onda quando os remédios estão naquela fase chata de inúmeros efeitos colaterais sem resultado aparente, insistir até que a pessoa faça terapia, mandar mensagem e ligar para saber (de verdade e sem medo do que vai ouvir) como ela está, tomar cuidados para não julgar nem colocar a culpa no doente, abraçar e preparar o colo para os inúmeros momentos de crises e falta de fé no tratamento, incentivar a pessoa a voltar a alimentar melhor, insistir que ela volte a fazer atividades físicas e cuide de sua própria aparência... Conversar, abraçar, demonstrar afeto, insistir nas características positivas que muita vezes a baixa autoestima não permite que a pessoa veja em si. Ajuda pode ser também dar espaço para a pessoa se refazer por dentro.
Enfim, assim como as pessoas não escolhem ter sinusite, diabetes ou catapora, ninguém escolhe ter depressão e é importante frearmos essa cultura nociva de desvalorização da saúde mental. Quando a pessoa é capaz de aceitar sua condição atual, o tratamento (que não é fácil pela quantidade de remédios, pela dificuldade de falar e ser compreendido, pelo tabu) tende a fluir melhor, a dar mais resultados.
É muito possível melhorar a qualidade de vida e retirar as lentes cinzas dos olhos do indivíduo que está com depressão. E é importante lembrar que ninguém é deprimido, existem pessoas que estão deprimidas, e esse quadro pode ser revertido com apoio, ajuda, tratamento adequado e autoconhecimento.
Se você identificou lentes cinzas em seu olhar, procure ajuda hoje mesmo! Existe o CVV (centro de valorização da vida) pelo número 188. Procure por uma pessoa de confiança para falar sobre sua condição atual. Procure um médico, psicólogo. Procure por grupos de apoio... Existe ajuda, existe solução!
Se você conhece alguém nessa situação primeiro entenda que depressão é uma doença séria e existe; e depois procure ajudar dentro daquilo que estiver a seu alcance. Qualquer ajuda é bem-vinda e irá fazer diferença para o doente.
E se você já passou por isso, ou está em fase de superação/tratamento, compartilhe conosco e com as pessoas o que você fez e tem feito para se curar. Vamos quebrar o silêncio que ainda há sobre saúde mental!
- 12 de Setembro de 2018 -